A prenda de Natal
Entrou então aquele homem com a mão a coçar a cabeça num ai Jesus desgraçado de quem quer muito uma coisa que não há forma de encontrar. Disse:
"Era um abre-latas, ó fachavor, que é Natal!"
Mas a tenda de quinquilharias só tinha Senhoras de Fátima, galos de Barcelos, um Eusébio que dizia Portugal em plástico e canetas de Coimbra com a Universidade a boiar num líquido verde.
"E abre-latas, não tem?"
O ora deixe cá ver mostrou então uma Amália de há 30 anos, um punhado de terços por benzer, isqueiros e alguns lenços de lavradeiras ao lado do caixote dos santinhos milagreiros.
"Não quer um corta-unhas? Trazem lima e são baratinhos!"
Disse o comerciante de palito na boca.
"Pois, mas o que eu queria era mesmo um abre-latas, sabe, obrigadinho na mesma, Boas Festas!"
Seria meio-dia e hora dum prato cheio de comida na tasca. Mas a ideia de um abre-latas não lhe saía da cabeça suada que limpava agora com um lenço da mão, aquele homem. Como era difícil abrir sorrisos e tirar olás. Então sem um abre-latas, mais difícil ainda não cortar-se no frio do alumínio sem abertura fácil de argola.
Do balcão veio então e desesperadamente o
"Era um prego, ó fachavor, que continua a ser Natal!"
E levou à boca a primeira garfada, aquele homem, como quem alimenta um sonho com cara de boneco de barro que não se mexe do presépio até que Janeiro passe.
* (Um grande beijinho de Boas Festas a todos os que por aqui passam.)