06 outubro 2006

No meu bairro

Lavara as mãos em sangue antes de jantar tremoços.
Era a educação dos limpos.
Dos Judas de espelho em casa e palito na boca.
Dos sem culpa numa vida de lavatório com germes.
Era fácil não querer saber dos outros.
Do gato, da mãe acamada, do filho sem papa e sem dentes ainda.
Do filho que dizia não ser seu enquanto se coçava e via o futebol.
- És uma puta! E tenho mais em que gastar o meu dinheiro.
E estava feita a oração antes da ceia.
E da varanda que é também sala de estar, subia o fumo da mulher do batom vermelho que aquecia a rua.
- Mas que caralho pensas que é isto?
E havia menos um prato inteiro que lavar.
Se a conta da água estivesse paga.
Se houvesse água em casa.
Choro, vidro, golo, menos outro prato, ralho, estalo, grito, copo voador, berro, copo partido no chão, tremoço, vizinho apaga a luz, falta, casca de tremoço, murro, intervalo de jogo, outro vizinho finge que não está a ver nada, resultado 2-1, pum, silêncio.
Sirene do INEM.
Quando alguém leva um tiro no meu bairro, aparece sempre a sirene do INEM apegada a uma ambulância amarela.
Depois volta a haver silêncio, fecha-se tudo em casa, os gatos esgueiram-se por entre os caixotes do lixo podre que ninguém recolhe e a mulher do batom vermelho desaparece nuns mínimos que fogem de carro.
Eu vou lavar os dentes e tentar dormir.
Mas nem sempre consigo...

1 Comments:

At quarta-feira, outubro 11, 2006, Blogger Sílvio Mendes said...

Quando alguém leva um tiro no meu bairro,
quando alguém leva um tiro no meu bairro,
quando alguém leva um tiro no meu bairro,
quando alguém leva um tiro no meu bairro.

tentar dormir.

arrepiado.

 

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