04 junho 2007

Para ti, mãe


Em resposta tardia ao desafio literário proposto aqui, uma singela homenagem à minha pessoa especial:

Quando me perco, costumo procurar à minha volta um cabelo encaracolado teu que dê para eu agarrar quando vem o medo, uma linha de saia com baía desfeita pelos abraços, um guardanapo bordado da mesa grande onde comíamos puré de batata aos Domingos. Procuro um "já te disse para estares quieta!", procuro qualquer coisa tua doce, o punhado de cerejas gigantes que trazias na abada. Eram tão boas aquelas cerejas, eram tão grandes, mãe. Eram. Eras linda, a mais linda, a sempre linda dos cabelos compridos.

"- Mas ó mãe, por que é que não posso fazer isto?
- Porque quando o teu pai chegar tu vais ver o andar a riscar as paredes com graxa dos sapatos, vais, vais...
- Mas ó mãe, eu quero!!!"


Eu quero tanto, quero-te tanto, que sinto às vezes que a madeira da cama onde me encosto ainda é a tua barriga, mãe, de quando usavas vestidinhos à pre-mamã e o pré era eu e tu eras a mamã. E tu de vestido, bem dentro das fotografias que eu vi, que eu vejo, que eu guardo, que eu quero. Quero ser como tu quando for grande, quero metade do teu coração colado no meu, colado na palma da minha mão, para sentir o teu palpitar, para ver se te estás a enervar com a vizinha de baixo, porque sei que quando ultrapassas as 100 pulsações por minuto, alguma coisa está prestes a explodir-te no peito.

Não te enerves, mãe. Traz-me uma palhinha de centeio, que eu volto a gastar o detergente da loiça todo para fazer bolinhas pela varanda fora e depois em vez de soprar chupo a água e temos de ir todos para as urgências porque dou arrotos de sabão. Quero ver-te a limpar as mãos ao avental, mãe, enquanto dizes "Esta rapariga quando crescer, ninguém a atura, meu Deus!", quero ver-te inventar as músicas em inglês com palavras em português que também não existem. Mas agora pousa o arroz de frango, senta-te, senta-te mãe, que és sempre a ultima a sentar-se na mesa, senta-te, que tu andas sempre de vassoura na mão à procura de coisas desarrumadas na cozinha que não estão desarrumadas, senta-te, que o caos que existe no mundo não foste tu que investaste. Jantemos em paz. Como se ainda fôssemos uma família, como se estivéssemos ainda todos juntos e te esquecesses de por sal na comida... Como de costume.

Eu gosto muito de ti.
Mas nenhum texto serve para dizer o quanto.
É uma medida em braços e abraços e braços em abraço.

Abraço, mãe.

14 Comments:

At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger Cometa 2000 said...

muito bonito.

na minha memória podia escrever também coisas assim. apenas trocava o puré de batata por carne assada. :)

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger marta r said...

Eu nem me atrevo a comentar um texto tão bonito e pessoal...

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger Andreia said...

Que bonito Bruna. Também gosto tanto da minha mãe. Fizeste-me lembrar dela. E as saudades aumentaram.
Que bonito. Mesmo!

Um beijinho :)

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger CNS said...

Tão doce, Bruna...
Que bonito...que bonito...

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger Bruna Pereira Ferreira said...

Andreia:

Pois é.... Basta dizer-se "mãe" e parece que a estou a ver a sacudir tapetes nas escadas.
Eu também gosto muito-tanto-tanto-tanto da minha. Mãezinha.

Abraço para ti. :)

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger Beatriz said...

:) Obrigada por participares! E mais que isso, obrigada por nos brindares com um texto tão, tão... doce de cerejas, quente de abraços, confortante como todo o texto que trás a palavra mãe inscrita :D

Muito Bonito! De verdade :)

 
At segunda-feira, junho 04, 2007, Blogger Mateso said...

Ser mãe é a alegria da vida continuada, o amor espargido entre corações. Mas quando escreves assim sobre a tua mãe, deixas-me em lágrimas pois é absolutamente tocante de real, e puro, de amor.
Parabéns, Bruna!
Beijos . És doce e gentil.

 
At terça-feira, junho 05, 2007, Anonymous Anónimo said...

olá!
não há palavras suficientes para comentar este texto:)
ele é simplesmente lindo
beijinhos
paula e rui lima

 
At terça-feira, junho 05, 2007, Blogger V. said...

Sim, tenho vindo aqui tentar comentar o que não se comenta.

Porque uma mãe não cabe em folhas de papel, textos, palavras ou linhas. Porque o que não se diz é mais do que um abraço. Mas esse teu abraço é das coisas mais bonitas que alguém soube escrever. E os braços são pequenos [ muito pequeninos ] para te aconchegar... E só me apetece roubar-te uma dessas cerejas doces e dizer-te que crescer agarrada a um coração desse tamanho [ enooorme ] deve ser das lembranças mais felizes e ternas que se pode ter no meio desta vida que não pára nunca. Sim, agora percebo de onde vem tanta doçura e sensibilidade. Um dia, sem dares por isso, cresceste sem ter tempo de olhar para os relógios. E és como ela, a tua mãe. Tens o coração na ponta nos dedos quando escreves, talvez porque é tão grande que não te cabe no peito. E pronto. Nenhum texto chega para dizer o quanto se gosta. E eu também gosto de ti. E só posso agradecer à tua mãe por te ter feito assim: uma boneca de porcelana distraída, brincalhona, sempre pronta a abrir os braços para receber quem vem ao longe... Mesmo que a distância que vai daqui aí não chegue para te esconder o sorriso.

Tudo isto para dizer: Gostei muito. Muito. Muito.

:)

Beijinho grande*

 
At quarta-feira, junho 06, 2007, Blogger Bruna Pereira Ferreira said...

Vanessa:

Fizeste-me chorar.
(E queria-te aqui mesmo para um abraço).
Eu tenho as minhas coisas, os meus defeitos e os meus excessos do costume. Mas também gosto muito de ti. Muito.

:)

 
At quarta-feira, junho 06, 2007, Anonymous Anónimo said...

Eu podia fazer um poema com rimas emparelhadas, ou cruzadas, ou um texto literário com palavras embebidas em carinho, ou uma prosa forte, ou adocicada nesse mel que te enche o coração, ou fazer uma estátua, ou um desenho de suaves cores, ou...
Ou olhar para o que escreveste e
admirar a forma como fizeste tudo o que eu queria fazer, com todos os materiais, as formas, as texturas, os sons, as cores e ficar muito aquém do todo que colocaste neste texto.

Vou só olhar para ti e sorrir-te!

Lindo!!!!!


Beijos

 
At quarta-feira, junho 06, 2007, Blogger Avusa said...

que sensibilidade Bruna...
muito bonito.
Tenho a certeza que és uma filha especial.

 
At sexta-feira, junho 08, 2007, Blogger Inês Caridade said...

Oh! Que bem nos contaste os gestos de mãe. Da tua, da minha, da minha também! Gosto de espreitar o teu cantinho.
*plim*

 
At sexta-feira, junho 08, 2007, Blogger liliana pacheco said...

bonito-bruna-bonita*

 

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