30 março 2007

Conversas de faca na mão

O homem do talho espremeu uma borbulha e nasceu um prédio amarelo. Cá fora um cartaz velhote gritava em rosa fluorescente recortado aos picos "Frango com miúdos, promoção só esta semana". Com tanto andaime de ossos que trazia às costas, o desgraçado do avental tornara-se trolha da carne e tinha realmente problemas de pele, sempre que escutava com a cara toda em rugas a cidade farta de peixe:

Mulher 1: E diz que aquela coisa do 755 não foi nada um tremor de terra, foi um "Tissunámi" que veio do mar.
Mulher 2: Ai sim? Eu ouvi qualquer coisa na televisão, ouvi, mas agora o meu homem chega à 7h e quer comer cedo e hoje eu até levo costeletas.
Mulher 1: O teu homem sarou da perna? Ora vês... E as pessoas a dizerem que estava canceroso... Esta gente é o demónio.
Mulher 2: Já trabalha e vamos comprar agora a mobília nova para a sala, que vem agora o Zé da França e traz a mulher e os filhos.

Mulher 3 entra a suar: Parte-me quilo e meio de lombo que eu vou ali e já venho?

Mulher 1: Então faz por te benzer todos os dias, mulher, que o caralho do mau-olhado anda aí. Na França é que eles estão bem, isto aqui é uma miséria, não viste ontem?
Mulher 2: Esteja calada! Está tudo a passar fome e viram-se a roubar e a matar. Gandulos. Precisavam todos era de um landreiro nas costas e pô-los a trabalhar.

23 março 2007

O apeadeiro em Veneza

Esperava com ar de pincel,
o arlequim remendado.

(Em cada perna uma cor,
em cada cor um pecado)

Trazia losangos a amarrar o coração,
cosidos a fios-de-prumo.
Porque o coração balança,
desnivela com o calor,
escorrega e deita fumo.
Como se fosse uma trança
derretida no vapor
dum comboio mal travado.

15 março 2007

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAzul

Porque há muito que não sei o que dizer.
Não digo nada.

Fica um bocejo de azul.

08 março 2007

Playing cards

Pousa os ouvidos na mesa.
Escuta as minhas mãos:

1- Não sabes o que é um peixe voador;
2 - Para que servem os embrulhos dos presentes abertos;
3 - O que vem nas caixas de fósforos e não arde;
4 - A cor da língua quando chora;
5 - Como gritam as andorinhas;
6 - O peso de um pulmão latejante de beijos;
7 - Tu não sabes o que é um dedo de silêncio, pois não?

Então cala-te.
Já que não sabes apanhar berlindes do chão.
(É a tua vez de jogar...)