O mundo de açúcar
Era um mundo habilmente fechado num saco de plástico que dedinhos de unhas roídas seguravam enquanto o tempo baloiçava transparentemente nos bolsos rotos. As nuvens espalhavam açúcar nas cabeças dos tubarões verdes e penteavam-se de mais cores que branco, porque as nuvens nunca são só brancas. Havia cerejas deliciosamente azuis que amadureciam sem árvore de fruto e cobras às riscas que serpenteavam nas mãos sujas dos meninos famintos do intervalo da escola. Eles pulavam com desejos de mola de colchão
Para lá...
... para cima.
Para cá...
... para o chão.
A ilusão. Tudo cabia naquela mistura promíscua de sonhos e aventuras de outrora onde os aviõezinhos roxos voavam muito muito alto e colidiam depois com lacinhos cor-de-rosa e ovos estrelados à pressa numa sertã de laranja-esponja com aspecto de algodão doce.
E se fosse. E às vezes era, porque explodiam alí muitas estórias abafadas em pozinhos açucarados que saíam de caixinhas de plástico (que a senhora do avental retirava amavelmente com a sua pinça metálica) para morrerem nos nossos dentes de leite, quando ainda os tínhamos presos à boca.
Mas a escada para esse mundo continua um mistério em degraus.
Porque aquilo eram só gomas.
E as gomas não contam estórias de elevador.
Só dão pulinhos na memória.