
Em resposta tardia ao desafio literário proposto
aqui, uma singela homenagem à minha pessoa especial:
Quando me perco, costumo procurar à minha volta um cabelo encaracolado teu que dê para eu agarrar quando vem o medo, uma linha de saia com baía desfeita pelos abraços, um guardanapo bordado da mesa grande onde comíamos puré de batata aos Domingos. Procuro um
"já te disse para estares quieta!", procuro qualquer coisa tua doce, o punhado de cerejas gigantes que trazias na abada. Eram tão boas aquelas cerejas, eram tão grandes, mãe. Eram. Eras linda, a mais linda, a sempre linda dos cabelos compridos.
"- Mas ó mãe, por que é que não posso fazer isto?
- Porque quando o teu pai chegar tu vais ver o andar a riscar as paredes com graxa dos sapatos, vais, vais...
- Mas ó mãe, eu quero!!!"Eu quero tanto, quero-te tanto, que sinto às vezes que a madeira da cama onde me encosto ainda é a tua barriga, mãe, de quando usavas vestidinhos à pre-mamã e o
pré era eu e tu eras a
mamã. E tu de vestido, bem dentro das fotografias que eu vi, que eu vejo, que eu guardo, que eu quero. Quero ser como tu quando for grande, quero metade do teu coração colado no meu, colado na palma da minha mão, para sentir o teu palpitar, para ver se te estás a enervar com a vizinha de baixo, porque sei que quando ultrapassas as 100 pulsações por minuto, alguma coisa está prestes a explodir-te no peito.
Não te enerves, mãe. Traz-me uma palhinha de centeio, que eu volto a gastar o detergente da loiça todo para fazer bolinhas pela varanda fora e depois em vez de soprar chupo a água e temos de ir todos para as urgências porque dou arrotos de sabão. Quero ver-te a limpar as mãos ao avental, mãe, enquanto dizes
"Esta rapariga quando crescer, ninguém a atura, meu Deus!", quero ver-te inventar as músicas em inglês com palavras em português que também não existem. Mas agora pousa o arroz de frango, senta-te, senta-te mãe, que és sempre a ultima a sentar-se na mesa, senta-te, que tu andas sempre de vassoura na mão à procura de coisas desarrumadas na cozinha que não estão desarrumadas, senta-te, que o caos que existe no mundo não foste tu que investaste. Jantemos em paz. Como se ainda fôssemos uma família, como se estivéssemos ainda todos juntos e te esquecesses de por sal na comida... Como de costume.
Eu gosto muito de ti.
Mas nenhum texto serve para dizer o quanto.
É uma medida em braços e abraços e braços em abraço.
Abraço, mãe.