25 junho 2007

A caminho da Lua

No alto dum alto bem alto no alto do mar:

- O mar tem alto?
- Não, tem alto-mar.
- E mar alto e alto-mar não são a mesma coisa?
- Não, são medidas diferentes.
- Bem me parecia que sou muito pequenina para perceber isso...
- Para perceberes o mar?
- Não, para perceber o MAAAAAAAAAAAAAAAR.
- Sim, o mar é alto. Mas ainda demora milhões de ondas a chegar à Lua.
- Então ainda falta muito?
- Sim, falta. O melhor é dormirmos. A dormir o tempo passa mais depressa.

18 junho 2007

O aperto. O aperto.

O vidro é o amigo dos olhos e o perigo dos dedos.
Por isso é tão fácil sangrar ao abrir janelas.
Cá dentro e sem fechume, o aperto. O aperto. Esse aperto.
Transparente.

14 junho 2007

A uma imprecisão de chão a sabe-se lá quantas polegadas do qual prédio

O harmonioso exemplo do sorriso despido que mora na boca.
O desprender assim uma nudez inédita de quem não diz nada e vê tudo.
O acontecer por debaixo das nuvens que velam uma moeda perdida no esgoto.
O não ter certezas da casa.
O acaso.
O passar o não-tempo de quem vai passar o tempo para que o tempo passe por nós.
O banco.
O banco sem livro.
O banco que aparece no livro.
O livro de banco.
O empréstimo dos vocábulos inéditos em papel timbrado que se colam no selo de viagem de quem se foi no cavalo do homem que anuncia os CTT de trombeta.
O tempo que se atreve a ser medido em pombos de ombro.
O chover que cai e que faz charcos e que desaparece nas solas dos que nunca reparam nos sapatos dos outros.

- Levantas os olhos, quando os olhos te pesam?
- Não. Eu sou apenas uma estátua.

07 junho 2007

1, 2, 3 e suster o ar

O velho cântaro de zinco ainda está enferrujadamente pousado em cima do poço. Há uma espécie de quase charco de água da orvalhada anterior que reflecte os pássaros pendurados do céu com cabides de nuvem. Quando a porta se abre sem chave há sempre alguma flor nova desarrumada. Um sapato no meio do jardim. O baloiço que se ergue sem medir os metros vincados que faltam para chegar à estrela que cintila em azul prateado. O ventinho da noite que regressa pela sua-sem-conta-vez faz arrepios nos joelhos despidos. Curva as pestanas que sonham em calções de Verão. E pela fechadura que se cheira às escondidas dos olhos que pressentem a chuva, o perfume é indiscutivelmente a alfazema.
O meu preferido.

04 junho 2007

Para ti, mãe


Em resposta tardia ao desafio literário proposto aqui, uma singela homenagem à minha pessoa especial:

Quando me perco, costumo procurar à minha volta um cabelo encaracolado teu que dê para eu agarrar quando vem o medo, uma linha de saia com baía desfeita pelos abraços, um guardanapo bordado da mesa grande onde comíamos puré de batata aos Domingos. Procuro um "já te disse para estares quieta!", procuro qualquer coisa tua doce, o punhado de cerejas gigantes que trazias na abada. Eram tão boas aquelas cerejas, eram tão grandes, mãe. Eram. Eras linda, a mais linda, a sempre linda dos cabelos compridos.

"- Mas ó mãe, por que é que não posso fazer isto?
- Porque quando o teu pai chegar tu vais ver o andar a riscar as paredes com graxa dos sapatos, vais, vais...
- Mas ó mãe, eu quero!!!"


Eu quero tanto, quero-te tanto, que sinto às vezes que a madeira da cama onde me encosto ainda é a tua barriga, mãe, de quando usavas vestidinhos à pre-mamã e o pré era eu e tu eras a mamã. E tu de vestido, bem dentro das fotografias que eu vi, que eu vejo, que eu guardo, que eu quero. Quero ser como tu quando for grande, quero metade do teu coração colado no meu, colado na palma da minha mão, para sentir o teu palpitar, para ver se te estás a enervar com a vizinha de baixo, porque sei que quando ultrapassas as 100 pulsações por minuto, alguma coisa está prestes a explodir-te no peito.

Não te enerves, mãe. Traz-me uma palhinha de centeio, que eu volto a gastar o detergente da loiça todo para fazer bolinhas pela varanda fora e depois em vez de soprar chupo a água e temos de ir todos para as urgências porque dou arrotos de sabão. Quero ver-te a limpar as mãos ao avental, mãe, enquanto dizes "Esta rapariga quando crescer, ninguém a atura, meu Deus!", quero ver-te inventar as músicas em inglês com palavras em português que também não existem. Mas agora pousa o arroz de frango, senta-te, senta-te mãe, que és sempre a ultima a sentar-se na mesa, senta-te, que tu andas sempre de vassoura na mão à procura de coisas desarrumadas na cozinha que não estão desarrumadas, senta-te, que o caos que existe no mundo não foste tu que investaste. Jantemos em paz. Como se ainda fôssemos uma família, como se estivéssemos ainda todos juntos e te esquecesses de por sal na comida... Como de costume.

Eu gosto muito de ti.
Mas nenhum texto serve para dizer o quanto.
É uma medida em braços e abraços e braços em abraço.

Abraço, mãe.