
Do varandim esperneavam
collants pretos de senhora, blusas de seda fina e uma toalha de mesa rendilhada no mais puro linho. Um estendal requintado que fazia inveja ao meu alguidar do Sábado de manhã que raramente tem as meias todas aos pares para dependurar. Semana a semana, a janela que transpirava música clássica às 9 da noite fazia uma nova aparição de bordados, matizes e disposição de panos que nunca iam para além do preto e do branco - quanto muito umas cortinas a fugirem para o
beige, talvez amareladas pela solidão de quem tapa janelas.
"É a professora de piano do 3º andar, diz que estende as peças de roupa como as teclas, é maluca!"Normalmente as pessoas falam do que não sabem. É o caso da minha vizinha da esquerda, que gosta muito de falar dos outros enquanto me alerta semanalmente para o aumento do preço do atum em lata:
"Menina, olhe que já vai em mais 2 cêntimos, previna-se, que a vida não está fácil".Pois não deve estar, Dona Adélia, disse eu, que nem compro o atum pelo qual me interesso só para falar com ela no vão das escadas do prédio sobre as novidades do Bairro.
De facto, a mulher do estendal requintado conjugava num zig zag de freira as peças de roupa ao longo da corda do varandim. Eu acho aquilo bonito e tento demorar mais tempo a pôr as molas na minha roupa só para ver a dela. A Dona Adélia, sem perceber que o meu sorriso é para um estendal, acena-me com o seu braço de 5º andar como quem vai abrir mais uma lata de atum para o almoço dela e do gato, eu retribuo ao longe, faço um esforço por não deixar cair nenhum vestido aos fundos do condomínio e a vida continua.
Não entendo nada de música, mas acho que o gato da Dona Adélia mia em Fá sustenido.